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Representatividade negra no jornalismo brasileiro

  • Farol Soteropolitano
  • 17 de jun. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 17 de ago. de 2021

Silvia Nascimento, fundadora do site Mundo Negro afirma: “É uma maneira racista pensar que o jornalismo negro só tem que ser sobre racismo".

Por Camila dos Santos e Larissa Mesquita



Silvia Nascimento, fundadora do site Mundo Negro (Reprodução: Mundo Negro)

Jornalista, produtora de conteúdo especializada em questões étnico-raciais e curadora digital. Silvia Nascimento, além disso tudo, é a fundadora do portal Mundo Negro, primeiro portal de notícias direcionadas à população negra do país. Mesmo rodeados de talentos como Maju Coutinho, Heraldo Pereira, Glória Maria, Vanderson Nascimento, entre outros grandes nomes, as redações e ambientes jornalisticos em geral ainda são pouco ocupadas pelos negros.

De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,10% da população brasileira é negra. Desse número, apenas 23% dos jornalistas do país são negros, como aponta um estudo realizado pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), em parceria com o Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Para mudar essa realidade gritante, um longo caminho ainda precisa ser traçado e Silvia Nascimento ajudou nos primeiros passos.

Criado em 2001, o Portal Mundo Negro sempre foi voltado exclusivamente para noticiabilizar pautas para a comunidade negra no país, visando apontar a importância da imprensa negra no jornalismo digital e buscando atingir diversos públicos que a mídia offline não consegue atingir.

“Por ser digital, além de alcançar o público brasileiro, o portal pode ser visto em diversos países. O Mundo Negro é lido fora do Brasil, em países do continente africano e da América do Norte, como Estados Unidos e Canadá, por exemplo”, revela a jornalista.

Para além da felicidade de atingir diversos lugares do mundo, a luta pelo reconhecimento da imprensa e do jornalismo negro no próprio Brasil ainda é muito grande. Silvia ressalta a necessidade de que as informações voltadas para o público negro precisam ser propagadas, independentemente do meio de comunicação a ser usado.

“Qualquer notícia do site pode ser compartilhada pelo WhatsApp, por exemplo. A gente está falando que pessoas negras vão conseguir ler, terão independente de ter um computador ou não, acesso à informação voltadas para elas. Então, acho que toda comunicação tem que passar pelo viés digital. Hoje, o jornalismo digital é muito importante, independente das questões raciais, pois conseguimos alcançar muitas pessoas. Para se ter uma ideia, o Facebook me diz que, semanalmente, eu alcanço quase dez milhões de pessoas de forma que eu jamais conseguiria esse número numa mídia offline”, afirma Silvia.


História do Mundo Negro


Em 2001, ano em que a internet deu um boom no Brasil, Silvia estava no último ano de graduação na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e sempre pesquisou sobre a imprensa negra. Porém, a decisão de criar o site veio após uma temporada morando e estudando nos Estados Unidos, onde pôde ver a diversidade e qualidade da imprensa afro-americana.

Antigamente, as informações eram passadas por jornais e revistas que podiam ser encontradas nas bancas. Após a chegada da internet, a forma de consumir notícias mudou e os jornalistas precisaram se adaptar à nova forma de noticiar. “Quando eu entrei na faculdade de jornalismo, eu só teria detalhes de uma notícia na televisão, em tempo real, ou pelo menos ler com profundidade no dia seguinte. Então tinha aquela corrida às vezes para as bancas, pra que você conseguisse pegar as coisas antes que acabassem. Hoje não temos isso."

"Para os comunicadores negros, conseguir colocar um produto editorial sobre a nossa comunidade nas bancas acarretava muitos custo”.

O fato da internet chegar para facilitar a vida de todas as pessoas, fez com que as notícias chegassem, quase que instantaneamente, para uma gama maior de pessoas ao redor do mundo. “Qualquer pessoa, independente dos anos que tenha de jornalismo, pode criar um veículo [...]"

"[...] O Mundo Negro foi criado assim que eu saí da faculdade, então, a possibilidade de qualquer estudante de jornalismo, de comunicação, ter um potencial de criar uma plataforma que gera impacto para sociedade brasileira e negra, é uma coisa que só o jornalismo digital proporciona."

Então a gente tem que celebrar essa conquista e celebrar que a gente possa ter acesso a essas ferramentas”, comemora a comunicadora.

Sem ter referências na área digital e no auge dos 20 anos, Silvia colocou em prática os anos dedicados ao ramo. O crescimento foi orgânico e natural e ao contrário de quando começou, se tornou referência para os novos jornalistas interessados que vieram após ela. Mas, ser mulher e negra é um grande desafio, ainda mais como comunicadora.

“Ser jornalista negra é muito complexo, porque de um lado a gente tem a questão da raça, mas a gente também tem a questão de gênero e ainda mais por ser uma mulher dona do seu próprio negócio. Muitas críticas partiam dos homens negros e de pessoas negras."

Mas ser uma comunicadora livre é uma coisa que eu tenho muito orgulho, ainda mais sendo referência durante esses 20 anos de carreira. Ver o meu site ser um dos maiores e mais relevantes sites negros do país, sendo eu uma mulher preta, é uma coisa que me dá muito orgulho. É um grande desafio, pela falta de referência, por não ter muitas pessoas que fazem o trabalho que eu faço. Mas eu acho que é só escutar nossa comunidade pra gente conseguir fazer o que eles esperam e não só pensar no que é importante pra mim, é pensar no que a nossa comunidade e principalmente o que, o tipo de demandas de conteúdo que elas têm”, aponta.

Segundo Silvia, mesmo que a temática gire em torno da negritude, é necessário que seja produzidos conteúdos que avancem para além das questões raciais: "Por mais que a gente ainda viva um país racista, com grandes diferenças sociais quando a gente se compara com pessoas brancas, surgem uma gama de assuntos e de linhas editoriais que a gente pode explorar, que não seja só sobre racismo, genocídio negro e violência. Então, eu sempre falo pra pensar em outras possibilidades. Até porque é uma maneira racista pensar que o jornalismo negro só tem que ser sobre racismo. É limitar as nossas narrativas e coisas que a gente pode sonhar. E é limitar também as nossas fontes como jornalistas.", afirma.

Ao contrário do jornalismo impresso, o jornalismo digital está se inovando a cada dia, onde é possível a transmissão de informações de forma mais rápida e que cheguem ao alcance de mais pessoas.

"Eu acho muito improvável que o jornalismo digital entre em defasagem. Ele só vai mudar as formas de entregar conteúdo pra gente. Hoje, nós somos muito informados pelo WhatsApp, inclusive, o perigo é justamente esse, nas informações que chegam muito rápido e pelo nosso telefone".

Então, acho que não vejo a possibilidade de acabar o jornalismo digital, o que eu vejo é a necessidade de mudar a forma de entregar a comunicação. Não consigo ver o jornalismo impresso sendo relevante no futuro. Até em termos ambientais, porque se você for falar de produção de material de gráfica, não é nem ecológico. Então, o digital também é muito mais sustentável nesse sentido.", declara a produtora de conteúdo.

O Jornalismo e a educação

Para além de informar, o papel do jornalista é apurar os fatos, fazer um [aglomerado] das situações, redigir, para assim, veicular o seu ponto de vista sobre os diversos assuntos. Isso é feito desde os primórdios da comunicação. Comunicar é um ato idealizado para ser feito sem muitos esforços. O ato de informar, através das notícias, pode ser visto como uma forma de empoderamento, principalmente para comunidade negra.

Silvia faz questão de dizer que quanto mais informa, mais ajuda a população. “Eu acredito muito nesse papel educacional do jornalismo e em como a gente impacta muito a forma de pensar da nossa comunidade. A gente abre caixinhas de pensamento. Então quanto mais informações eu dou do ponto de vista informativo sobre questões raciais, sobre direitos, até sobre narrativas de pessoas negras que fazem coisas que não são esperadas e não se mostra mídia hegemônica, mais eu estou impactando em minha comunidade, eu estou dando instrumentos para eles tirarem, exercer a capacidade cognitivas para interpretar o mundo. Então, não é só informação, não é só jornal, é um pouquinho mais que isso”, opina.

Criação de conteúdo na era digital

O que antes não era visto nos meios de comunicação está se tornando uma tendência cada vez mais usada pelas produtoras de audiovisual, produtores de conteúdo na internet e afins: o povo negro como central nas narrativas. As multinacionais Amazon e Netflix, por exemplo, têm gerado conteúdos e dado aporte financeiro para produtores de audiovisual negros.

Nesse contexto, Silvia Nascimento além de comemorar, reflete: “Eles estão pensando no futuro mesmo. Produzir grandes documentários, recontar as nossas histórias. Falar de como o povo preto está ascendendo economicamente, mas também daqueles que ainda estão lidando com grandes dificuldades. Que esse tipo de conteúdo seja produzido em grande escala, nacional e internacionalmente. Que a gente tenha produções tanto cinematográficas, produções artísticas, mas de um outro lado também, produções jornalísticas”, conclui a jornalista.

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