"THE GOOD WIFE” E A REFLEXÃO SOBRE EMPODERAMENTO FEMININO
- Lucas Pacheco
- 7 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de jun. de 2021

A série televisiva “The Good Wife” (em português, “A Boa Esposa”), do gênero drama criminal, é uma produção audiovisual norte-americana criada pelos autores Robert King e Michelle King e produzida pela emissora de televisão CBS, que foi ao ar originalmente entre 22 de setembro de 2009 e 8 de maio de 2016.
A trama central da série de 07 temporadas e 22 episódios em cada, estrelada pelos premiados atores Julianna Margulies, Christine Baranski e Chris Noth, gira em torno da protagonista, a advogada Alicia Florrick (Julianna Margulies), cujo marido Peter Florrick (Chris Noth), Promotor de Justiça (posto político e decidido em eleições) do Condado de Cook, estado de Illinois, perdeu o cargo e foi preso após se envolver em um escândalo sexual com prostitutas e corrupção.
Alicia, que havia exercido por pouquíssimo tempo sua profissão depois de formada, pois, como toda mulher de político norte-americano, desempenhava o papel apenas de esposa, mãe e dona de casa, se ver obrigada a, depois de ter passado 13 anos nessas funções, a enfrentar o mercado de trabalho, devido à prisão do marido, já que ficou com a responsabilidade de criar seus dois filhos sozinha. Ela vai à busca de emprego já carregando consigo duas prejudiciais: a ausência de experiência e a idade (cerca de 40 anos), que, para alguém que havia exercido muito pouco a profissão, era considerada muita.
Em resumo, deixando de lado a traição e a humilhação pública causadas por seu marido, Alicia recomeça sua vida e volta a trabalhar como advogada, tendo que defender a si e a seus filhos das constantes retaliações públicas, dos ataques de adversários políticos do marido, do assédio da imprensa e das clássicas piadas e comentários maldosos, machistas e sexistas.
Após inúmeras inexitosas entrevistas de emprego, algumas com assédio sexual, Alicia consegue a possibilidade de concorrer a uma vaga efetiva como advogada associada em um prestigioso escritório de Chicago, no qual um dos sócios é um amigo de longas datas e antigo colega de faculdade. A profissional precisará disputá-la, no dia a dia da rotina advocatícia, com um jovem de pouco mais de 20 anos, recém-formado em Harvard e extremamente competitivo.
Com o passar do tempo, a série vai mostrando uma transformação de Alicia: da envergonhada esposa de um político envolvido em um escândalo político e sexual a uma poderosa mulher de carreira, sobretudo pelo bem de seus filhos, Zach e Grace, rejeitando sua identidade de "boa esposa" e passando a trilhar seu próprio destino.
Quem conhece, ainda que pouco, a história política dos Estados Unidos consegue vislumbrar claramente que a série foi inspirada no escândalo de prostituição envolvendo o ex-governador de Nova York, Eliot Spitzer, bem como em outros escândalos sexuais, particularmente o do ex-presidente Bill Clinton e, em pouco tempo no ar, tornou-se uma das melhores séries de drama da televisão durante anos.
É inquestionável que a produção retratava um drama completo e complexo, que atingia os aspectos familiar, pessoal, profissional e político da protagonista e sua família, discutindo já naquela época temáticas que somente iriam ganhar corpo e destaque alguns anos depois, como o empoderamento feminino e o preconceito de gênero, ao mostrar a evolução de uma Alicia inicialmente abatida, humilhada, obrigada a manter as aparências para deixar vivo algum resquício de prestígio político de seu marido, vítima não só de assédio sexual, pelos possíveis empregadores os quais achavam que ela se submeteria a qualquer coisa para conseguir um emprego e sustentar seus filhos, mas também de assédio moral, por promotores, juízes e advogados mais experientes nos embates nos tribunais.
É interessante destacar que, mesmo apresentando diferentes nuances de drama, a série não se tornou pesada e/ou melodramática, pois sempre se preocupou em manter um dinamismo necessário, com narrativas diferentes, histórias excitantes e envolventes a ponto de fazer o telespectador mergulhar naquela ficção baseada em histórias reais e a querer ajudar Alicia Florrick a superar aquele momento, dando-lhe um ombro amigo e incentivando a dar a volta por cima.
A grande surpresa para muitos é que, ainda que retrate a vida de uma advogada e a rotina em escritório de advocacia e tribunais, a produção da CBS não segue os padrões de uma série meramente jurídica nem eminentemente política, o que faz com que todo o deslinde da história contada envolva quem à assista, mostrando que aquele drama pessoal da protagonista é real e muito mais próximo da gente do que se pensa.
A dualidade entre as duas imagens de Alicia que se mostra ao longo da série é importante para todo o desfecho, vez que, em casa, nos bastidores, existe a Alicia que, em que pese madura, sofre com a desilusão amorosa, com o desmoronamento de sua família e as humilhações públicas, sendo obrigada a se submeter ao agressivo marketing político para a construção da imagem de uma boa e santa esposa, compreensiva e fiel a seu marido e sua família. De início, toda essa submissão é apenas para proteger seus filhos, até que ela passa a utilizar todo o marketing e jogo político também a seu favor, conciliando com a mulher determinada, ciente e consciente de si, forte (que demonstra no escritório e nos tribunais), tentando conquistar seu espaço e arriscando, inclusive, começar nova vida amorosa, apesar de mostrar o tempo inteiro a crise interna da personagem entre manter a imagem de boa e compreensiva esposa e ajudar o marido, e simplesmente virar as costas para ele e seguir seu caminho sozinha com seus filhos.
Carregada de doses generosas de drama, ironia e humor, a série destaca uma personagem principal que se arriscou durante toda a trama, cometendo erros e obtendo acertos, porém nunca se vitimizando ou demonstrando medo de recomeçar quantas vezes fossem necessárias, evidenciando a força de uma mulher destroçada, porém também agigantada por um mesmo escândalo, servindo como mola propulsora para, já naquela época, por em voga as discussões acerca do empoderamento feminino com mais realce e mais vigor. Sua história mostra que nunca é e será tarde para que a mulher tenha consciência de si, construa seu próprio destino e enfrente, com determinação e altivez, o machismo estrutural.
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