top of page

DONALD TRUMP E A QUEDA DO PODEROSO CHEFÃO

  • Foto do escritor: Lucas Pacheco
    Lucas Pacheco
  • 11 de dez. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 27 de jun. de 2021

“YOU'RE FIRED” (VOCÊ ESTÁ DEMITIDO) – PRESIDENTE AMERICANO OUVE DOS ELEITORES O QUE ELE ENCHIA O PEITO PARA DIZER AOS PARTICIPANTES DE SEU PROGRAMA DE TV


O candidato do Partido Democrata, Joe Biden, venceu as eleições americanas mais disputadas e mais observadas das últimas décadas por todo o mundo, impedindo a reeleição do republicano Donald Trump. O ex-vice-presidente no governo Obama garantiu 306 delegados contra 232 de Trump no Colégio Eleitoral e venceu também no voto popular, deixando o atual mandatário do país e seus admiradores nos Estados Unidos e no mundo descontrolados e alegando fraudes nas urnas.


Já era de se esperar que os republicanos não aceitariam passivamente um resultado diferente do que conferisse a reeleição ao atual presidente. Aliás, as constantes polêmicas envolvendo Donald Trump ao longo dos quase 04 anos de governo e as fortes acusações e agressões verbais contra o seu opositor na disputa, antes mesmo do início da campanha eleitoral, já indicavam que a festa da democracia de 2020 nos Estados Unidos seria nervosa e imprevisível.

Tudo isso despertou uma atenção mais do que a habitual em todo mundo, como uma série de televisão, neste caso, ora de comédia, ora de terror, ora de drama, que, com um enredo impossível de se descobrir o que acontecerá nos próximos episódios e com um elenco invejável, prende o telespectador a cada capítulo.

O que não se imaginava era que chegaria ao ponto no qual se chegou: com Trump atirando para todos os lados, alegando fraude nas urnas em todos e apenas nos estados nos quais perdeu, sobretudo nos votos pelos correios, votos esses que o elegeram em 2016 e nos quais ele teve maioria em alguns estados este ano. E também com seus eleitores e admiradores pelo mundo ensandecidos, fazendo protestos, replicando as teses de fraudes e alguns, no Brasil, pedindo o impeachment de Joe Biden.

Antes de retratar mais precisamente a reação republicana após a divulgação do resultado do embate presidencial, o contexto no qual esse resultado se construiu e como o mundo observou e se comportou nesse período são curiosos.

Quando em fevereiro começaram as Primárias do Partido Democrata, o agora presidente eleito Joe Biden não era um dos favoritos, ainda que seu nome fosse forte. As expectativas estavam, parte depositada no senador pelo estado de Vemont, Bernie Sanders (79), parte em Pete Buttigieg (38), prefeito da pequena cidade de South Bend, no estado de Indiana e primeiro candidato democrata assumidamente homossexual. Ambos mostraram uma popularidade não esperada e venceram as primeiras prévias do partido em estados considerados importantes.


O nome de Joe Biden ganhou força a partir da desistência de alguns candidatos logo no início da disputa, incluindo Buttigieg, que declarou apoio ao ex-vice-presidente, polarizando a disputa entre Biden e Sanders e também depois do agora presidente eleito vencer a super terça, a mais importante disputa das primárias, ocorrida na terça-feira, 03/03. Naquele dia, 14 estados com números consideráveis de delegados votaram de uma só vez, sendo que 10 deram a maioria dos votos à Biden, entre eles Texas, Carolina do Norte e Virgínia, três dos maiores no Colégio Eleitoral. Sanders venceu em 04, incluindo a Califórnia, o maior estado no Colégio.

Pouco mais de um mês depois, no início de abril, diante de uma situação considerada praticamente irreversível na disputa das prévias contra Joe Biden, o pré-candidato Bernie Sanders desistiu de concorrer à indicação do partido e em agosto Biden foi confirmado oficialmente como candidato contra Donald Trump, fazendo história ao escolher uma mulher e negra como vice: a ex-pré-candidata, ex-procuradora da Califórnia e senadora Kamala Harris.


Trump que, por tradição, não disputou previa interna do seu partido, já que por ser o atual presidente, era candidato natural à reeleição, estava em paz durante esse período. Ou pelo menos parecia. E ficou só na aparência mesmo.

A campanha eleitoral foi marcada por diversas polêmicas e acusações pessoais e familiares, em sua maioria proferida pelo presidente Trump. O debate envolvendo questões ambientais, como a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, a suspensão do financiamento da OMS, culpada por Trump, sem provas, de esconder informações sobre o início da pandemia de COVID-19 e o racismo no país, acentuado pelos casos chocantes de violência da polícia contra cidadãos negros que fez eclodir os protestos “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) pelo país e pelo mundo, dominaram a campanha.

De uma hora pra outra, cidadãos do mundo inteiro conheciam mais da política e geografia americanas do que as de seus países de origem. Já tinham na ponta da língua quais discussões dominavam aquela campanha, quais eram os estados decisivos, como cada um costumava votar, quais não tinham habitualidade de votar em um partido preferencial e quais não tinham qualquer relevância na disputa.


Desde o início da corrida eleitoral, logo após a definição do opositor do presidente republicano, todas as pesquisas de intenção de voto feitas pelos mais diferentes institutos e redes de TV do país apontavam que Donald Trump não seria reeleito e que Joe Biden era a escolha acertada dos democratas para voltar ao poder. A média das pesquisas nas últimas semanas de campanha apontavam Biden com 51,82% e Trump com 43,41%. Ainda que o resultado final da eleição não tenha sido numericamente exato e com a diferença mostrada pelas pesquisas, estas acertaram o resultado.

A essa altura do campeonato o mundo todo já sabe que a eleição presidencial dos EUA funciona de maneira peculiar, já que mesmo havendo votação popular, quem elege o presidente é o Colégio Eleitoral. Neste famigerado Colégio, o candidato precisa traçar uma estratégia para vencer em cada estado e assim obter o voto de, no mínimo, 270 dos 538 delegados, que são os representantes escolhidos pelos estados para votarem no presidente.

Cada estado e o Distrito de Colúmbia, equivalente ao Distrito Federal aqui no Brasil, possui uma quantidade pré-definida de delegados e que varia de acordo ao tamanho populacional. Vermont, um dos menores estados americanos, por exemplo, tem apenas três, enquanto a Califórnia, o mais populoso, soma 55. E a votação estadual funciona no sistema "o vencedor leva tudo". Ou seja, o candidato ganhador em cada estado, ainda que por uma diferença muito pequena, leva todos os delegados daquele estado no Colégio Eleitoral.

Nessa disputa de o “vencedor leva tudo”, alguns estados são decisivos na eleição do presidente. Se você perguntar a uma quantidade razoável de brasileiros quantos estados integram o Brasil e quais são esses estados, a maioria não sabe responder precisamente. Com certeza a mesma situação é vista em outros países. Entretanto, se você perguntar a qualquer brasileiro ou outro cidadão de outro país quais são os estados decisivos na eleição americana, é indiscutível que todos vão responder, sem pestanejar, Flórida, Pensilvânia, Texas, Wisconsin, Michigan, Geórgia e Carolina do Norte. De fato os são. E a imprensa mundial repetiu esses nomes centenas de vezes nos meses que antecederam a eleição, mais ainda nos últimos dias antecedentes.


Depois de quatro dias de apuração, Joe Biden foi declarado vencedor, sendo que, desses super estados, venceu na Pensilvânia, em Wisconsin, no Michigan e na Geórgia, além daqueles nos quais a sua vitória já era prevista, como o maior de todos, a Califórnia. Trump venceu na Flórida, no Texas, na Carolina do Norte e nos demais em que já era considerado favorito. O placar final no Colégio Eleitoral foi de 306 delegados para Biden contra 232 de Donald Trump. Ironicamente, placar quase igual ao que Trump venceu, em 2016, a democrata Hillary Clinton, 304 a 227.

Entretanto, o presidente republicano, como previsto, começou a reclamar antes mesmo da divulgação dos primeiros resultados nos estados.


Ainda na primeira madrugada seguinte ao dia da votação, 03/11, Donald Trump fez um discurso na Casa Branca falando em fraude eleitoral sem apresentar nenhuma prova e declarou vitória: “Francamente, nós ganhamos essa eleição”. Na mesma madrugada, porém por meio do Twitter, Trump disparou: "Nós estamos na frente com folga. Eles querem roubar essa eleição, mas não vamos permitir. Votos não podem ser depositados depois do fechamento das urnas".

A aparente simples chateação e esperneio do presidente, típico de um mau perdedor, que passou o dia da eleição jogando golfe depois de ter votado, exalando um ar altivo, de vitória, de “já ganhei”, aquele ar de superioridade que lhe é habitual foi se transformando em descontrole e fanfarronice nos dias seguintes. Uma série de acusações sem provas e teorias da conspiração foram feitas e espalhadas pelo presidente e replicadas por seus apoiadores. Trump fez mais de 400 publicações no Twitter, entre tuítes e retuítes, neste período e a grande maioria para rejeitar os resultados eleitorais.

Nos primeiros dias após a divulgação do resultado, enquanto Trump reinava no Twitter com as acusações de fraude, sem apresentar provas, e muitas das postagens eram marcadas como conteúdo falso e até mesmo apagadas pelo mesmo motivo pela própria rede social, a equipe jurídica do presidente derrotado protocolava diversas ações jurídicas pelo país questionando a lisura da votação e da apuração, principalmente nos estados chaves. A ala mais Trumpista do Partido Republicano acreditava e ainda acredita que pode reverter o resultado da eleição no tapetão, na Suprema Corte, até porque o presidente tem, em tese, maioria por lá, já que 06 dos 09 juízes são conservadores.

As ações distribuídas até aqui pediam a anulação de votos dados pelos correios, votação que ocorre há décadas nos Estados Unidos e que inclusive ajudou a eleger o atual presidente em 2016 e também pediam que os votos fossem recontados em quase todo o país. Porém, Trump até agora já perdeu quase a totalidade dessas ações em todas as instâncias. Inclusive, os advogados do presidente já desistiram de ações em alguns estados. Nas recontagens determinadas pelas poucas ações exitosas e até mesmo pela lei de alguns estados, onde ela é obrigatória quando a diferença entre os candidatos não atinge um percentual mínimo, o resultado se manteve e Joe Biden já foi declarado vencedor por boa parte deles, já que o país não possui um órgão central de apuração, como o Tribunal Superior Eleitoral aqui no Brasil, e cada estado realiza sua contagem, ocorrendo a condensação dos dados posteriormente.

Enquanto Trumpistas do governo e do Partido Republicano mobilizam a justiça e a imprensa simpatizante do presidente para tentar reverter o resultado da eleição, alguns Trumpistas do povo, eleitores e admiradores, inconformados com a derrota e instigados pelo seu líder a ocuparem as ruas e protestarem, fizeram coro em algumas ruas de Nova York e Washington, também alegando fraude e pedindo a anulação de alguns votos e a recontagem. Muitos, inclusive, acusando o Partido Democrata de dominar os centros de apuração e de impedir que fiscais voluntários republicanos observassem o trabalho dos contadores de votos.

Como se não bastasse, aqui no Brasil, eleitores e admiradores do presidente Jair Bolsonaro, que por tabela também os são de Donald Trump, se somaram aos gritos de fraudes e, inclusive, pediram nas redes sociais que a Suprema Corte dos Estados Unidos anulasse a eleição ou que se abrisse um processo de impeachment contra Joe Biden. Não faltaram postagens nas redes sociais acusando o democrata de roubar a disputa, de fraudas votos e de querer espalhar o comunismo e ideias esquerdistas pelo seu país e pelo mundo.

Agora, processo de impeachment contra um presidente eleito, porém ainda não empossado. Como? Aliás, esses são aqueles mesmos cidadãos que aqui no Brasil pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal, mas que reconhece a justiça suprema estrangeira. Vai entender a lógica, né?

Inclusive o próprio Bolsonaro ainda não reconheceu a vitória do democrata e é mais um que replica as alegações de fraudes. "Agora, a imprensa não divulga, mas eu tenho minhas fontes de informações, não adianta falar para vocês, não vão divulgar. Mas realmente teve muita fraude lá, isso ninguém discute. Se ela foi suficiente para definir um ou outro, eu não sei. Eu estou aguardando um pouco mais, que lá seja decidido pela justiça eleitoral deles e quem sabe pela suprema corte no final", disse o presidente na saída da escola onde foi votar no prefeito mal avaliado e derrotado do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela, no segundo turno das eleições municipais aqui no Brasil.

Em nosso país, inclusive, as redes sociais foram inundadas por cartazes que convocavam para uma suposta carreata em defesa do presidente americano Donald Trump. A carreata "Fora Biden - Recontagem ou Impeachment" seria realizada no dia 08/11, em Maceió. Porém, dias depois do início da circulação da convocação, quando o ato já era considerado piada e as reações contrárias foram maiores do que as manifestações de apoio e adesão, representantes dos grupos de Direita em Alagoas negaram a realização do ato e afirmaram que a carreata era uma fake news. Fica apenas o questionamento do porque não negaram logo quando a convocação se espalhou.

Entretanto, quanto mais os dias vão passando e vai se aproximando o dia da reunião final do Colégio Eleitoral para que os delegados possam fazer a vontade popular de seus estados e confirmarem a eleição de Joe Biden e também o dia da posse presidencial, um importante representante do Partido Republicano afirmou que uma transição para a Presidência de Joe Biden parece inevitável. E alguns grandes nomes do partido do presidente já começaram a jogar a toalha. Roy Blunt, senador republicano e presidente do comitê de posse do Congresso, afirmou que espera que o democrata Biden seja empossado como presidente em 20 de janeiro.


E para completar o balde de agua fria, o procurador-geral e Secretário de Justiça dos Estados Unidos, William Barr, indicado e nomeado por Donald Trump, afirmou na última terça-feira (1º) que não há qualquer indício de fraude capaz de mudar o resultado das eleições de novembro. "Até agora, não vimos fraude em uma escala que poderia ter dado um resultado diferente na eleição", disse Barr em entrevista à agência Associated Press. E, numa tentativa de último suspiro antes de fechar o caixão, os advogados de Trump rechaçaram a visão de Barr, um dos homens de confiança do presidente, acusando-o de não investigar as denúncias de fraude. "Vamos continuar perseguindo a verdade pelo sistema judiciário e legislativo dos estados", afirma a nota publicada pelos advogados Rudy Giuliani e Jenna Ellis.


Resta saber até onde o presidente, os políticos republicanos e seus eleitores e admiradores nos Estados Unidos e pelo mundo terão pulmão para continuar berrando “fraude”. Ao que parece, já estão respirando por aparelhos.

1 comentário


JULIANA BARBOZA NUNES
JULIANA BARBOZA NUNES
11 de dez. de 2020

Que texto maravilhoso! Obrigada por explicar como funciona as eleições americanas, muito esclarecedor e proveitosa a leitura! Parabéns ao autor.

Curtir
bottom of page